Entrevista do Papa Francisco ao Fantástico da TV Globo

terça-feira, julho 30, 2013

CONTINUAÇÃO

Pergunta – O mundo mudou, os jovens mudaram. Temos no Brasil muitos jovens, mas o senhor não falou de aborto, sobre a posição do Vaticano em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. No Brasil foram aprovadas leis que ampliam os direitos para estes casamentos em relação ao aborto. Por que o senhor não falou sobre isso?

Papa Francisco – A Igreja já se expressou perfeitamente sobre isso. Eu não queria voltar sobre isso. Não era necessário voltar sobre isso, como também não era necessário falar sobre outros assuntos. Eu também não falei sobre o roubo, sobre a mentira. Para isso, a igreja tem uma doutrina clara. Queria falar de coisas positivas, que abrem caminho aos jovens. Além disso, os jovens sabem perfeitamente qual a posição da Igreja.

Pergunta – E a do papa?

Papa Francisco – É a da Igreja, eu sou filho da Igreja.

Pergunta – Qual o sentido mais profundo de se apresentar como o bispo de Roma?

Papa Francisco – Não se deve andar mais adiante do que o que se fala. O papa é bispo de Roma e por isso é Papa, o sucessor de Pedro. Não é o caso pensar que isso quer dizer que é o primeiro. Não é esse o sentido. O primeiro sentido do Papa é ser o bispo de Roma.

Pergunta – O sr. teve sua primeira experiência multidinária no Rio. Como se sente como Papa, é um trabalho duro?

Papa Francisco – Ser bispo é belo. O problema é quando alguém busca ter esse trabalho, assim não é tão belo. Mas, quando o Senhor chama para ser biso, isso é belo. Tem sempre o perigo e o pecado de pensar com superioridade, como se fosse um príncipe. Mas o trabalho é belo. Ajudar o irmão a ir adiante. Têm o filtro da estrada. O bispo tem de indicar o caminho. Eu gosto de ser bispo. Em Buenos Aires, eu era tão feliz. Como padre, era feliz. Como bispo, era feliz e isso me faz bem.

Pergunta – E ser papa?

Papa Francisco – Se você faz o que o Senhor quer, é feliz. Esse é meu sentimento.

Pergunta – A Igreja no Brasil está perdendo fieis. A Renovação Carismática é uma possibilidade para evitar que eles sigam para as igrejas pentecostais?

Papa Francisco – É verdade, as estatísticas mostram. Falamos sobre isso ontem com os bispos brasileiros. E isso é um problema que incomoda os bispos brasileiros. Eu vou dizer uma coisa: nos anos 1970, início dos 1980, eu não podia nem vê-los. Uma vez, falando sobre eles, disse a seguinte frase: eles confundem uma celebração musical com uma escola de samba. Eu me arrependi. Vi que os movimentos bem assessorados trilharam um bom caminho. Agora, vejo que esse movimento faz muito bem à Igreja em geral. Em Buenos Aires, eu fazia uma Missa com eles uma vez por ano, na catedral. Vi o bem que eles faziam.

Neste momento da Igreja, creio que os movimentos são necessários. Esses movimentos são um graça para a Igreja. A Renovação Carismática não serve apenas para evitar que alguns sigam os pentecostais. Eles são importantes para a própria Igreja, a Igreja que se renova.

Pergunta – A Igreja sem a mulher perde a fecundidade? Quais as medidas concretas? O senhor disse que está cansado. Há algum tratamento especial neste voo?

Papa Francisco – Vamos começar pelo fim. Não há nenhum tratamento especial neste voo. Na frente, tem uma bela poltrona. Escrevi para dizer que não queria tratamento especial. Segundo, as mulheres. Uma Igreja sem as mulheres é como o colégio apostólico sem Maria. O papal da mulher na Igreja não é só maternidade, a mãe da família. É muito mais forte. A mulher ajuda a igreja a crescer. E pensar que a Nossa Senhora é mais importante do que os apóstolos! A igreja é feminina, esposa, mãe. O papel da mulher na igreja não deve ser só o de mãe e com um trabalho limitado. Não, tem outra coisa. O papa Paulo 6° escreveu uma coisa belíssima sobre as mulheres. Creio que se deva ir adiante esse papel. Não se pode entender uma Igreja sem uma mulher ativa.

Um exemplo histórico: para mim, as mulheres paraguaias são as mais gloriosas da América Latina. Sobraram, depois da guerra (1864-1870), oito mulheres para cada homem. E essas mulheres fizeram uma escolha um pouco difícil. A escolha de ter filhos para salvar a pátria, a cultura, a fé, a língua. Na Igreja, se deve pensar nas mulheres sob essa perspectiva. Escolhas de risco, mas como mulher. Acredito que, até agora, não fizemos uma profunda teologia sobre a mulher. Somente um pouco aqui, um pouco lá. Tem a que faz a leitura, a presidente da Cáritas, mas há mais o que fazer. É necessário fazer uma profunda teologia da mulher. Isso é o que eu penso.

Pergunta – Queremos saber qual a sua relação de trabalho com Bento 16, não a amistosa, a de colaboração. Não houve antes uma circunstância assim. Os contatos são frequentes?

Papa Francisco – A última vez que houve dois ou três papa, eles não se falavam. Estavam brigando entre si, para ver quem era o verdadeiro. Eu fiquei muito feliz quando se tornou papa. Também, quando renunciou, foi, pra mim, um exemplo muito grande. É um homem de Deus, de reza. Hoje, ele mora no Vaticano.

Alguns me perguntam: como dois papas podem viver no Vaticano? Eu achei uma frase para explicar isso. É como ter um avô em casa. Um avô sábio. Na família, um avô é amado, admirado. Ele é um homem com prudência. Eu o convidei para vir comigo em algumas ocasiões. Ele prefere ficar reservado. Se eu tenho alguma dificuldade, não entendo alguma coisa, posso ir até ele. Sobre o problema grave do Vatileaks [vazamento de documentos secretos], ele me disse tudo com simplicidade. Tem uma coisa que não sei se vocês sabem: Em 8 de fevereiro, no discurso, ele falou: “Entre vocês está o próximo papa. Eu prometo obediência”. Isso é grande.

Pergunta – O sr. falou com os bispos brasileiros sobre a participação das mulheres na Igreja. Gostaria de entender melhor como deve ser essa participação. O que sr. pensa sobre a ordenação das mulheres?

Papa Francisco – Sobre a participação das mulheres na Igreja, não se pode limitar a alguns cargos: a catequista, a presidente da Cáritas. Deve ser mais, muito mais. Sobre a ordenação, a Igreja já falou e disse que não. João Paulo 2° disse com uma formulação definitiva. Essa porta está fechada. Nossa senhora, Maria, é mais importante que os apóstolos. A mulher na Igreja é mais importante que os bispos e os padres. Acredito que falte uma especificação teológica.

Pergunta – Nesta viagem, o sr. falou de misericórdia Sobre o acesso aos sacramentos dos divorciados, existe a possibilidade de mudar alguma coisa na disciplina da igreja?

Papa Francisco – Essa é uma pergunta que sempre se faz. A misericórdia é maior do que o exemplo que você deu. Essa mudança de época e também de tantos problemas na Igreja, como alguns testemunhos de alguns padres, problemas de corrupção, do clericalismo. A igreja é mãe. Ela cura os feridos. Ela não se cansa de perdoar. Os divorciados podem fazer a comunhão. Não podem quando estão na segunda união. Esse problema deve ser estudado pela pastoral matrimonial. Há 15 dias, esteve comigo o secretário do sínodo dos bispos, para discutir o tema do próximo sínodo. E posso dizer que estamos a caminho de uma pastoral matrimonial mais profunda. O cardeal Guarantino disse ao meu antecessor que a metade dos matrimônios é nula. Porque as pessoas se casam sem maturidade ou porque socialmente devem se casar. Isso também entra na Pastoral do Matrimônio. A questão da anulação do casamento deve ser revisada. É complexa a questão pastoral do matrimônio.

Pergunta – Em quatro meses de Pontificado, pode nos fazer um pequeno balanço e dizer o que foi o pior e o melhor de ser Papa? O que mais lhe surpreendeu neste período?

Papa Francisco – Não sei como responder isso, de verdade. Coisas ruins, ruins, não aconteceram. Coisas belas, sim. Por exemplo, o encontro com os bispos italianos, que foi tão bonito. Como bispo da capital da Itália, me senti em casa com eles. Uma coisa dolorosa foi a visita a Lampedusa [ilha que recebe imigrantes africanos], me fez chorar. Me fez bem. Quando chegam estes barcos, que os deixam a algumas milhas de distância da costa e eles têm de chegar (à costa) sozinhos, isso me dói porque penso que essas pessoas são vítimas do sistema sócio-econômico mundial. Mas a coisa pior é o nervo ciático, é verdade, tive isso no primeiro mês. É verdade! Para uma entrevista, tive de me acomodar numa poltrona e isso me fez mal, era dolorosíssimo, não desejo isso a ninguém. O encontro com os seminaristas religiosos foi belíssimo. Também o encontro com os alunos do colégio jesuíta foi belíssimo. Conheci tantas pessoas pessoas boas no Vaticano. Isso é verdade, eu faço justiça. Tantas pessoas boas, mas boas, boas, boas.

Pergunta – Tem a esperança de que esta viagem ao Brasil contribua para trazer de volta os fiéis? Os argentinos se perguntam: não sente falta de estar em Buenos Aires, pegar um ônibus?

Papa Francisco – Uma viagem do Papa sempre faz bem. E creio que a viagem ao Brasil fará bem, não apenas a presença do Papa. Eles (os brasileiros) se mobilizaram e vão ajudar muito a Igreja. Tantos fiéis que foram se sentem felizes. Acho que será positivo não só pela viagem, mas pela Jornada, um evento maravilhoso. Buenos Aires, sim, sinto falta. Mas é uma saudade serena.

Pergunta – O que o senhor pretende fazer em relação ao monsenhor Ricca e como pretende enfrentar toda esta questão do lobby gay?

Papa Francisco – Sobre monsenhor Ricca, fiz o que o direito canônico manda fazer, a investigação prévia. E nessa investigação não tem nada do que o acusam. Não achamos nada. É a minha resposta. Quero acrescentar uma coisa a mais sobre isso. Tenho visto que, muitas vezes, na Igreja se buscam os pecados da juventude, por exemplo. E se publica. Abuso de menores é diferente. Mas, se uma pessoa, seja laica ou padre ou freira, pecou e esconde, o Senhor perdoa. Quando o Senhor perdoa, o Senhor esquece. E isso é importante para a nossa vida. Quando vamos confessar e nós dizemos que pecamos, o senhor esquece e nós não temos o direito de não esquecer. Isso é um perigo. O que é importante é uma teologia do pecado. Tantas vezes penso em São Pedro, que cometeu tantos pecados e venerava Cristo. E esse pecador foi transformado em Papa.

Vocês vêm muita coisa escrita sobre o lobby gay. Eu ainda não vi ninguém no Vaticano com um cartão de identidade dizendo que é gay. Dizem que há alguns. Acho que, quando alguém se vê com uma pessoa assim, devemos distinguir entre o fato de que uma pessoa é gay e formar um lobby gay, porque nem todos os lobbys são bons. Isso é o que é ruim.

Se uma pessoa é gay e procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-lo? O catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados por causa disso, mas integrados na sociedade. O problema não é ter essa tendência. Não! Devemos ser como irmãos. O problema é o lobby dessa tendência, da tendência de pessoas gananciosas: lobby político, de maçons, tantos lobbies. Esse é o pior problema.

Entrevista a Fabiano Maisonnave, enviado especial a Roma, pelo UOL

(fonte: http://www.franciscanos.org.br/?p=42651)

 

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