Uma exigente missão na África…

domingo, agosto 12, 2007

Neste artigo você poderá acompanhar Fr. Acílio Mendes, provincial dos frades capuchinhos de Portugal, em um dos vários dias de missão na África, através da leitura de seu “diário”:

D. Joaquim Ferreira Lopes
primeiro Bispo de Viana (Angola)

Dia 28 de Julho de 2007 (Sábado)

Manhãzinha cedo vários jipes partem para Viana, a cidade satélite de Luanda. Hoje é o dia escolhido por D. Joaquim Ferreira Lopes para tomar posse da sua nova Diocese de Viana.

Na imensa esplanada que circunda a igreja paroquial de São Francisco de Assis, agora transformada em Sé Catedral, uma multidão incalculável, muito orgulhosa deste dia histórico na sua vida.É com alegria que vêm ao meu encontro o Carlos e o Moisés, dois diáconos, dos Missionários Xaverianos, naturais da Colômbia, que, há anos, viveram na nossa Fraternidade do Porto, a treinar a língua portuguesa.Viana conta actualmente com 1.659.000 habitantes (sendo 500.000 católicos), 9 Paróquias, 3 Santuários, 170 estações missionárias, 2 Padres diocesanos, 3 Padres Fidei Donum, 32 Padres religiosos, 20 seminaristas, e muitas Congregações religiosas (11 masculinas e 13 femininas). Tantas são, que até lhe chamam o «Vaticano».

Com a criação da nova diocese de Viana, Angola conta com 3 arquidioceses (Luanda, Huambo e Lubango) e 15 dioceses.

Eram 09h30 quando o Sr. D. Joaquim – acompanhado de D. Ângelo Becciu, Núncio Apostólico em Luanda, D. Damião Franklin, Arcebispo de Luanda, D. Anastácio Kahango, Bispo auxiliar de Luanda, D. Emílio Sumbelelo, Bispo coadjutor do Uíje, D. Gabriel Mbilingui, Bispo coadjutor do Lubango e ainda mais alguns bispos – se apresenta à porta da sua nova Sé Catedral: o pároco entrega-lhe o crucifixo, que ele beija. Asperge os presentes com água benta. Por uns momentos, D. Joaquim e o Sr. Núncio vão prostrar-se em oração diante do Santíssimo Sacramento. Segue-se a paramentação e a procissão de entrada para a solene concelebração.

Os ritos iniciais são preenchidos com a tomada de posse, a que assisto pela primeira vez. É apresentada à assembleia a biografia de D. Joaquim. Além da licenciatura em Filosofia e Teologia (Porto e Lisboa) e a licenciatura em Sagrada Escritura (Roma), não deixo de registar: «Piano, Composição, História da Música e Acústica» (Conservatório Nacional de Música do Porto). O Sr. Núncio lê as Cartas Apostólicas do papa Bento XVI em que é criada a nova Diocese de Viana e a nomeação de D. Joaquim Ferreira Lopes para seu primeiro Bispo. Fico agradavelmente surpreendido com uma advertência do papa: «Entregamos-te esta nova família de fiéis, para que, animado de espírito franciscano, lhe dispenses as graças do Senhor». Sim. Há um espírito franciscano para animar uma Diocese, assim como para animar uma Paróquia. Não roubemos à Igreja o carisma suscitado, há 800 anos, pelo Espírito Santo em Francisco de Assis para enriquecimento da própria Igreja de Cristo!

Convidado pelo Sr. Arcebispo de Luanda, D. Joaquim senta-se na cadeira, símbolo do magistério episcopal. Ali recebe a saudação, à mistura com protestos de comunhão eclesial, dos párocos, superiores e superioras das Comunidades religiosas (lá aparece a Ir. Ermelinda, das FMNS), outras Irmãs, assim como as autoridades civis, os representantes de muitos movimentos paroquiais… Segue-se uma saudação a D. Joaquim, a cargo do Pároco da Sé Catedral, colocando como divisa um versículo do Evangelho: «Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância» (Jo 10,10). A Igreja existe para evangelizar. Recorda uma frase do papa Bento XVI: «A África é a esperança da Igreja». Não deixa de aludir a alguns problemas que se agravam neste continente: a mortalidade infantil, doenças endémicas, a proliferação da SIDA/HIV, a precariedade de meios…

Eram 10h30 quando o Chanceler procede à leitura da Acta da tomada de posse, que é depois assinada por um sem-número de autoridades e fiéis, vindo também nesta procissão, em último lugar, o frei Armando.

Segue-se o Glória e a Liturgia da Palavra, com leituras prévia e sabiamente escolhidas. D. Joaquim preparou uma homilia a rigor. Ali pudemos admirar o pastor, o exegeta, o companheiro, o filho de Francisco de Assis, o auscultador dos sinais dos tempos… Logo no início, ainda no exórdio, uma saudação especial a todos os Capuchinhos, de modo particular ao Ministro Provincial dos Capuchinhos de Portugal, assim como ao frei Armando, seu companheiro desde a primeira hora no itinerário de vida franciscana-capuchinha. Com Salomão (1ª leitura: 2 Cr 1,7-13) pede «sabedoria e conhecimento», uma sabedoria bíblica, diferente da sabedoria egípcia ou da «sofia» dos gregos. Promete estar atento às 19 qualidades que São Paulo lhe apresenta para exercer o seu ministério de pastor (2ª leitura: Tt 1,7-9). Mas é sobretudo a perícopa do Evangelho (Jo 10,11-16) que o levam a uma maior densidade na reflexão. Como «bom pastor» aceita a novidade trazida por Cristo, em relação à fonte inspiradora de Ezequiel: «dar a vida pelas suas ovelhas». Já por aqui viveu uns 30 anos. Agora, inicia uma nova história, apesar de vir «pobre e livre, mas algo fragilizado, não pela idade, mas pelo sofrimento e dureza da vida». Viana e Dundo: duas Dioceses fraternalmente unidas e servidas pelo mesmo pastor, até que assim o queira o papa Bento XVI. D. Joaquim continua como Administrador Apostólico do «nobre povo» da Lunda Norte. O Evangelho – sem glosa, ao estilo do Pai São Francisco de Assis e da Mãe Clara – será o centro do seu ministério. O Evangelho é a única notícia que pode preencher o coração humano e matar-lhe a sede de infinito. Este é o anúncio que D. Joaquim vem proclamar, a tempo e fora de tempo…

Totalmente absorto nesta reflexão, nem deu para seguir todos os passos de um estranho «ritual» que simultaneamente se ia desenrolando: um senhor sobe ao estrado, com estola, depois revestido com alva, em seguida vem sentar-se entre mim e o Sr. D. Manuel António do Santos, o novo bispo de São Tomé e Príncipe; levanta-se, dirige-se a D. Damião Franklin – também ele absorto na escuta da homilia – e com expressiva violência atira-lhe a alva para cima da mitra episcopal! Desce e vai sentar-se na cadeira do Governador Provincial, que entretanto se tinha ausentado. São muitas as tentativas para o retirar dali. Grande é o burburinho que se vai gerando. Polícia à paisana, escuteiros, Irmãs… Ninguém o demove. E o pobre do Sr. D. Joaquim, sem saber o que acontece, lá consegue «proclamar» a homilia, com um trago na boca e no espírito… Finalmente, um sacerdote, o Padre Apolinário, aproxima-se do intruso e, tomando-o pelo braço, retira-o da assembleia, qual manso cordeirinho… Afinal, trata-se de um sacerdote do Huambo, o padre Horácio, com graves perturbações de foro psiquiátrico, acolhido em Luanda, suspenso posteriormente pelo Arcebispo D. Damião Franklin… Miserere nobis!

Para desopilar, a interminável «tambula» ou procissão dos dons, onde cada Paróquia procura porfiar na quantidade de bens a apresentar. Um problema litúrgico a enfrentar, até pelo desequilíbrio quanto ao tempo que ocupa na celebração… É verdade que me assaltam outras questões; o que é que o Sr. D. Joaquim fará com estas carradas de géneros alimentícios? O dinheiro será mesmo para que ele possa fazer frente às primeiras necessidades, pois nem sequer dispõe de uma casa onde habitar? Procuro afastar outras hipóteses menos ortodoxas. Mas não restam dúvidas: o dinheiro é mesmo tentador…

O animador da assembleia, o Padre Adelino Moma, natural de Viana, mas a viver em Luanda, faz-nos lembrar o estilo inflamado de outras Igrejas menos católicas… No auge do entusiasmo não se coibiu de proclamar aos quatro ventos que «Viana é a melhor Diocese do Mundo!»

Concluída a celebração, todos os sacerdotes, religiosos e religiosas são convidados para o abundante repasto no salão paroquial. Por vontade expressa do Sr. Bispo, não há discursos. O partir do bolo e o brindar com o clássico champanhe encerram uma nova página na promissora Diocese de Viana.

Alegremo-nos com este nosso Irmão D. frei Joaquim, chamado a servir a Igreja que está em Angola, de um modo tão exigente e criativo!

São muitos os que manifestam a sua alegria por terem participado nos diferentes cursos e encontros que, em 1990, orientei em Luanda e no Uíje. Mais admirável é o facto de encontrar «sobreviventes» dos cursos do Movimento por um Mundo Melhor, realizados em Luanda e Sá da Bandeira (actual Lubango) em 1973, quando a PIDE-DGS ainda por aqui fazia estragos, mesmo nestas «inocentes» actividades eclesiais, mas não «celestiais»…

frei Acílio Mendes – ofmcap”

Share Button
Se gostou deste artigo, subscreva à nossa newsletter para receber por email, semanalmente, as novidades do nosso site:
O seu email:

 

comentário(s)

  1. Pedro Moreira disse:

    Como é bom ver a tecnologia usada com maestria no anúncio do evangelho e de alguma forma a unir-nos todos, de todos os cantos do mundo, em/na Igreja de Cristo. Parabéns e continuem com este inovador trabalho de evangelização.

  2. Waldemar Rodrigues disse:

    Foi com bastante alegria, que nos Paroquianos de S. Frâncisco de Assis de Viana, recebemos o nosso Querido Pastor D. Joaquim Ferreira Lopes, por Sinal o 1º Bispo na Nova Arquidiocese criada para o povo Cristão de Viana. passado aproximadamente 4anos desde a que sua Emnência tomou posse com Pastor, tem vindo renovar em conformidade com o programada Pastoral por ele traçado, mudanças essas que em parte tem vindo descontentar e chegando mesmo fazer desfakecer a Fé de muitos Fieis paroqiuanos.
    a Liturgia tmabem tem muito haver com os habitos e custumes de cada região, com que a Liturgia dos Povo eté nas Sagradas Escrituras mostram-nos as transformações e as evoluções que passaram atraeves do Tempo e dos Povos.
    nos tambem somos de cultura liturgica semelhante a muitos Povo Cristão catolicos de Angola e África em geral, os Fieis Cristão paroquianos de s. Frâncisco de Assis estão muitos ressentidos de mudanças Bruscas que a Arquidicese vem sofendo com desde a tomada de Posse do Bispo de Viana D. Joaquim Ferreira Lopes, Peço que Deus envia Pastor para servir o seu Povo, o Lider relegioso nunca pode deixar tanto descontentamento como estes que sentimos do nosso Pastor

Deixe uma resposta